segunda-feira, 16 de julho de 2012

Comentário ao Exame Nacional de Filosofia, 2012, 2ª fase

A propósito do Exame Nacional de Filosofia...

Exame - versão 1.    Exame - versão 2.     CRITÉRIOS.

Avaliação do exame: 12 valores.
Pontos a realçar: pouca pertinência filosófica e dificuldade global muito reduzida.

Grupo I
1.1.  O texto está adequado à pergunta. O cenário de resposta está adequado. Dificuldade muito reduzida.
1.2.  O texto é despiciendo para a pergunta, podendo no entanto ajudar a responder à mesma. O cenário de resposta está adequado. Dificuldade média.

2.       A formulação da questão parece pressupor a equivalência da noção de “dever moral” ao “plano da ética”. Esta pressuposição não é indiscutível. A adjudicação da questão ao texto é passível de gerar confusão, na medida em que o texto se refere à “moral” e a questão interroga sobre a “ética”. Portanto, a formulação da questão, ou a escolha do texto, é infeliz. O todo é um resultado errado. Dito isto, e assumindo o dever moral no plano da ética, o cenário de resposta parece tomar o primeiro como um aspecto do segundo. Assim sendo, a questão até que poderia considerar-se filosoficamente interessante, não fossem as referidas reservas relativas à sua formulação e às pressuposições envolvidas. Dificuldade muito reduzida.

3.        
3.1.  A formulação da alínea considerada correcta deixa-nos algumas dúvidas relativamente à expressão “permite conceber”.
3.2.  Correcta.
3.3.  Correcta.
Dificuldade global reduzida.



Grupo II
Quanto ao texto temos a dizer que é um foco potencial de confusão e de contradição. No texto a lógica é assumida como aspecto da demonstração, por oposição ao aspecto da argumentação. No entanto, a lógica estuda os argumentos relativamente à validade. Enquanto estudo de argumentos, sendo esta uma forma de compreender a lógica, torna-se confuso apresenta-la por oposição à argumentação. Mas as questões dirigem-se ao texto, e especificam este aspecto, de modo que, seja o que for que o texto diga, o aluno deve responder com base nele. Mesmo que o texto dissesse só falsidades, o aluno deveria assumir que o que está a ser testado é a sua capacidade de interpretação do texto, por um lado, e a capacidade de ligar essa interpretação com a interpretação dos enunciados das alíneas sugeridas, por outro. Assim:

1.1. Correcta.
1.2. Correcta.
1.3. Correcta.
Dificuldade global reduzida.

2. Cenário de resposta correcto. Dificuldade média.

Grupo III
Qualquer dos percursos apresenta dificuldade reduzida. Mas não nos parece que exista uma diferença significativa entre eles.

Grupo IV
1.1. A questão omite o texto, mas este fornece a resposta à mesma. Cenário adequado. Dificuldade muito reduzida.

1.2. Questão adequada ao texto. O cenário está correcto. Temos reservas quanto à utilização da expressão “dúvida hiperbólica”, pelas conotações que pode envolver. Dificuldade média.

2. Cenário de resposta adequado. Dificuldade considerável.

3.1. A formulação da questão, relativamente ao texto, pode acrescentar alguma dificuldade ao conteúdo propriamente dito que é procurado. Isto é, não se trata de que seja apresentado um problema difícil, mas que a sua apresentação torna mais difícil a identificação daquilo que é perguntado. Cenário aceitável. Dificuldade média (não pela dificuldade do assunto).

3.2. O texto enquadra-se no âmbito da questão e pode favorecer a sua apreensão. Cenário correcto. Dificuldade muito reduzida.


Observações globais:

O exame é de uma dificuldade global reduzida, sobretudo demasiado reduzida para um exame. Talvez também não fizesse sentido ser mais difícil do que o da primeira fase, mas parece-nos este ainda mais fácil.

Não identificamos erros, sobretudo ao nível da análise que é expectável ao nível do secundário.

A escolha do texto de Meyer não me parece feliz, mas não porque Meyer seja mais ou menos que qualquer outro, nem pelo facto de ele utilizar os termos no sentido em que utiliza, sendo este sentido o sentido que lhes dá (os filósofos usam alguns termos num "seu" sentido, diferente das restantes pessoas, desde as ideias de Platão, ao Dasein de Heidegger). É infeliz, não porque Meyer deva ser rebaixado à condição de filósofo menor, mas porque realmente a confusão se instala facilmente aí, na aposição de "argumentação" a "argumento". Algo que se encontra em muitos manuais e que abunda, essa tal afirmação da argumentação como oposta aos argumentos – porque é isso que se diz quando se faz da demonstração a expressão lógica e se lhes opõe a argumentação. Isto é estranho, mas está por aí e mesmo no Programa (pág. 32).

Pena que o exame tenha repetido muito daquilo que já fora questionado na primeira fase, e que alguns tópicos do Programa se tenham mantido ausentes de ambas as fases.

Aquilo que mais nos salta à vista é a manifesta facilidade do mesmo, e a raridade de questões com pertinência filosófica. Ou seja, a “Filosofia” foi mantida num nível muito insipiente.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Os resultados dos exames de Filosofia, 2012, 1ª fase

A propósito dos resultados no exame nacional de Filosofia, 2012...


A informação disponível permite perceber uma média dos alunos internos de 8,9 valores.

Por um lado, a média por si só não significa nada. Deve ver-se a relação entre a média no exame e a média nas classificações internas à disciplina, dos alunos que efectivamente se sujeitaram à prova. Houve ou não houve alterações significativas nas classificações dos alunos? Houve disparidades entre as notas internas e as externas?

É ainda preciso ter em consideração que, para as classificações internas entram na ponderação factores que estão ausentes na avaliação externa. A avaliação externa é uma prova, um exame, um teste, mas na avaliação interna é tido em consideração o comportamento do aluno relativamente à disciplina, desde a sua participação, a sua dedicação, a realização de tarefas várias, a forma como está em sala de aula, a sua destreza discursiva a nível oral, bem como a sua evolução ao longo do ano, etc. Em tudo isto há ainda a considerar que o professor é um ser humano que, como qualquer um, tem as suas especificidades, quer se trate do professor que corrige o exame, quer do professor que em sala de aula se relaciona com cada um dos alunos.

Por outro lado, o peso da avaliação externa permite uma diferença sensível entre esta e a classificação interna, sem que no final ocorra variação. Isto é, o aluno pode descer um ou dois valores sem afectar a sua nota à disciplina.

Assim sendo, se de facto houver uma discrepância significativa entre a média das classificações internas dos alunos que foram a exame, e a média dos mesmos alunos no exame, então este facto merece uma reflexão acurada.

A solução mais fácil para acabar com os maus resultados nos exames é acabar com os exames. Sem exames não há maus resultados nos exames. Não significa isso que não permaneçam os problemas que, porventura, estejam na causa dos maus resultados.

O facto de nos últimos cinco anos não ter existido exame facilitou este resultado. Criou-se um modus operandi, quer por parte de certos professores, quer por parte dos alunos, que gerou certos preconceitos relativamente à disciplina. Desenvolveu-se a ideia, já de si fácil de nascer, de que a Filosofia se constitui numa espécie de achismo, como que num opinar qual conversa de café sem compromisso com qualquer tipo de fundamento... A ideia de que a experiência mais ou menos vaga, neste ou naquele caso particular, confere e habilita a fornecer qualquer tipo de opinião, sem a examinar, fundeando-a nesse aspecto de se ter tido esta ou aquela experiência -  bem como o facto de acontecer que os temas filosóficos são, por excelência, temas que tocam a todos e sobre os quais todos têm um certo tipo de abertura - este facto e aquela ideia fizeram florescer o preconceito de que a Filosofia não é um saber rigoroso, e que pelo contrário qualquer um pode dar conta dos seus assuntos simplesmente atirando ao acaso um conjunto mais ou menos informe de afirmações. Este preconceito competiu com a ausência de exame para despedir a exigência na disciplina, quer na mentalidade dos alunos, quer na condescendência dos professores. A ausência de exame também permitiu largos voos fora do programa, ou a apropriação pessoal, por parte do professor, do mesmo. Sem exame nada impediu que se fugisse do programa, ou que se invertesse o mesmo.

O exame, bem como o programa, não são perfeitos. O programa é discutível. O exame não foi exigente, foi muito superficial, e não teve a forma de um exame verdadeiramente filosófico. Provavelmente, este facto ajudou a que os resultados não fossem ainda piores.

Contudo, parece-me que a própria introdução do exame se apresentará como uma exigência aos professores, trazendo de volta o rigor da abordagem, e menos viagens aos astros... não se confunda Filosofia com Astrologia, e já se estará a dar um grande passo...

Por outro lado, este resultado corre o risco de não evidenciar o óptimo trabalho que muitos professores fazem e fizeram, em muitos casos lutando corajosamente contra o clima de impunidade, facilitismo e condescendência que cresceu abundantemente nos últimos anos...

Finalmente, não devemos esquecer que, em muitos casos, optaram pelo exame a Filosofia alunos que não se consideraram aptos a realizar as provas "exigentes" noutras disciplinas consideradas por eles "mais exigentes", pelo que seguiram assim pelo caminho que julgaram mais fácil, talvez mesmo sem vislumbrarem a necessidade de maiores preocupações, estudo ou exercício... as generalizações são sempre mentirosas, pois com toda a certeza houve bons alunos, que tiveram bons professores, que estudaram e se esforçaram bastante, e que sofreram a acção perversa da sorte... Mas são, com toda a certeza, uma excepção, que pelo facto de serem excepção, confirma a regra...